O que é realmente o Reino Puro?
Há inúmeros reinos, tanto puros quanto impuros, que resultam tanto
da forma baseada na aparência dos Budhas como também da forma baseada na
aparência confusa dos seis tipos de seres sencientes e esses inumeráveis reinos
não são lugares diferentes, inerentemente puros ou impuros. Não é o caso de
alguns lugares que sejam objetivamente puros é que todos os experimentarão como
realmente puros e outros que sejam objetivamente impuros sejam experimentados
como impuros. A razão de haver inúmeros reinos é que há incontáveis seres e
cada um deles têm sua própria percepção kármica individual e como resultado
disso, cada um percebe seu ambiente de uma maneira singular. Dessa forma, os
reinos puros são as experiências dos Budhas que não têm obscurecimentos e os
reinos impuros são experiências dos seres sencientes, que possuem
obscurecimentos.
O primeiro e o maior dos reinos puros é o Akanishtha Dharmadhatu
ou – Reino Mais Elevado que é a Natureza de todas as Coisas. Esse reino permeia
tudo. A extensão desse reino é a extensão do espaço. Onde houver espaço ele é
parte do reino de Akanishtha. Dessa forma, aqueles que têm percepção pura,
aqueles que têm todo o karma purificado que corrompe ou obscurece a percepção,
têm a experiência de qualquer ambiente como sendo puro, como o palácio da
divindade. Eles experimentam todo o conteúdo deste ambiente, o que quer dizer
que eles têm a experiência de qualquer ser senciente, como sendo as divindades
de cada um dos reinos. Ele experimenta as coisas desse modo porque todos os
lugares em sua natureza são parte de Akanishtha.
A Escola Vajrayana explica isso extensivamente, especialmente nos
ensinamentos do Dzogthen, onde frases como “pureza ilimitada”, “pureza
primordial consumada” e assim por diante são usadas.
Para entendermos o sentido disso devemos saber que as coisas são
experimentadas como são, elas são um reino puro e as divindades existem. Assim,
para aqueles com percepção perfeitamente pura, não há Samsara a ser
experimentado. Em suas experiências nem mesmo existe a palavra sofrimento.
Assim, pode-se dizer que todo o espaço e tudo que é permeado por ele é permeado
pelo corpo, palavra e mente de todos os Budhas.
Isso pode ser também entendido nos termos dos reinos distintos de
corpo, palavra e mente, mas em essência esses reinos de corpo, palavra e mente
têm a mesma natureza. Isso é chamado de “o segredo do corpo, palavra e mente”
que quer dizer “o todo permeante corpo, palavra e mente de todos os Budhas”.
“Todo permeantes” significa que eles permeiam todos os fenômenos. Isso é
explicado no “Sutra que explica os segredos”.
Não é apenas a totalidade do espaço permeada por reinos puros, mas
há inumeráveis reinos puros dentro desses mesmos reinos. Em cada pequena
partícula, há tantos reinos puros quantas partículas existentes. Assim, o
número de reinos puros é inconcebível e incalculável. Em cada um desses reinos,
os vitoriosos e seus filhos estão girando o Dharmachakra. Quando tentamos
imaginar que há tantos reinos puros em cada uma das partículas existentes,
entre outras coisas, imaginamos que esses reinos devem de alguma forma obstruir
uns aos outros, que isso seja completamente habitado, mas não é assim.
A razão por acharmos inconcebível esse tipo de coisa é porque nos
fixamos na aparente realidade das aparências substanciais, mas as coisas nunca
são como nós as experimentamos. Desde o princípio, as coisas têm tido formas
vazias e assim não obstruem umas às outras.
Por exemplo: é muito possível que os bilhões de mundos que
constituem nosso sistema poderiam estar contidos dentro de uma semente de
mostarda, sem que tal semente ficasse maior do que é ou os tais bilhões de
mundos se tornarem menores do que são. Isso é como o famoso caso de Djetsun
Milarepa sentar-se dentro de um chifre de um iaque sem ficar de modo algum
apertado. Isso é inconcebível para nós, por parecer violar o modo que
experimentamos o mundo, mas o que isso viola é a nossa percepção da
substancialidade aparente dos fenômenos. Isso é a natureza miraculosa de todos
os Budhas e dessa forma todo o espaço e tudo que é por ele permeado são
densamente preenchidos com reinos puros. Eles não têm número; você não pode
dizer que essa é a quantidade de reinos puros e que não há mais do que isso. Em
cada um desses reinos puros há Budhas vitoriosos e seus filhos, os
Bodhisattvas. Pelo fato dos reinos puros serem inumeráveis, os Budhas e os
Bodhisattvas são inumeráveis e é assim que os Budhas experimentam o mundo.
O
Reino Impuro dos Seres Sencientes
Quanto a nós, seres sencientes, como experimentamos o mundo? O
vivenciamos de uma maneira individual dependendo de nossa karma.
seis maneiras como os seres experimentam o mundo que é
constituído de seis tipos de seres sencientes. Para um ser de qualquer um
destes tipos, aqueles do mesmo grupo vivenciam tanto o ambiente e o sofrimento
de um modo parecido. Neste contexto é importante entender que a experiência do
ambiente e a do sofrimento pelos seres nos reinos do inferno, dos Pretas e dos
animais é pelo menos tão sólida e substancial como nossa experiência no reino
humano.
Porque nós não podemos perceber esses reinos, nós os imaginamos
como sendo um sonho ou insubstancial, mas eles não são de um todo, um sonho. De
alguma forma, eles ainda são mais intensos, mais sólidos e menos mutáveis que o
nosso reino. Isso é assim porque a confusão e o karma que causam a percepção
desses reinos são mais intensos. O grau de aparente solidez e intensidade
desagradável de um reino corresponde ao karma que causa essa percepção. Para os
seres do reino dos infernos e dos Pretas, seu meio ambiente é tão real, tão
sólido e aparentemente tão objetivamente real como o reino humano é para nós.
Na percepção de um ser senciente de qualquer um dos seis reinos, seu reino, sua
experiência surge completamente sólida e objetivamente existente, mas isso é
devido ao poder do próprio karma.
Nesse momento, para os seres humanos nesse sistema de bilhões de
mundos, do qual fazemos parte, nosso kalpa parece estar em declínio. Um kalpa é
o quanto dura um sistema de um bilhão de mundos e nessa kalpa há um período
onde os mundos ainda não existem, um período de desenvolvimento, um de
estabilidade, um de declínio e um de destruição. Nosso kalpa parece estar agora
na fase de declínio, mas para alguns seres sencientes esse reino parece ter
terminado. Este bilhão de mundos já parece destruído, parece vazio de
existência e de seres. Para outros seres esse bilhão de mundos é percebido como
começando a existir. Alguns seres percebem o que nós percebemos como terra,
como sendo espaço e o que percebemos como espaço, eles percebem como terra.
Isso não significa que eles simplesmente vêem as coisas ao contrário. Significa
que, a qualidade real do que é substancial e insubstancial está invertida para
eles.
Também há seres que percebem para cima o que nós vemos como para
baixo e vice-versa. Desse modo, as variedades individuais de percepção, que é
correspondente ao karma acumulado pelos seres, inumeráveis e inconcebíveis em
suas variedades. Em cada caso, o que esse ser percebe parece ser real e, dentro
do contexto da percepção dele, você poderia dizer que é real. É real para eles
como resultado do karma deles e vai permanecer assim até que o karma que os
fazem perceber as coisas desse modo seja extinto. Isso é explicado com maiores
detalhes no Ratnakuta Sutra, ou Sutra das Jóias Empilhadas.
Nesse nosso bilhão de mundos em particular, todos os seres humanos
deste mundo basicamente experimentam as coisas do mesmo modo. Isso acontece
porque todos nós acumulamos karma similar no passado, levando-nos a renascer na
mesma espécie com o mesmo tipo de percepção. O que nós percebemos como terra é
percebida basicamente por todos os seres humanos como terra. O que nós
percebemos como pedra é percebida basicamente por todos os seres humanos como
pedra. O que nós percebemos como espaço é percebido basicamente por todos os
seres humanos como espaço e assim por diante.
REFERÊNCIAS:
- Extraido do comentário de Khenpo Karthar Rinpoche sobre o texto
“Dharma da Montanha” de Karma Tchagme – Raga Asya (1613 – 1678) – Centro de
Budismo Tibetano – Karme Thegsum
Tcholing.
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