Avanços nos
tratamentos da Saúde Mental
Terapia
Focada na Compaixão
As
propriedades curativas da Compaixão e do Altruísmo já foram escritos à séculos.
Sua Santidade o Dalai Lama salienta: se você quer que os outros sejam felizes –
foque na Compaixão; se você quer ser feliz – foque na Compaixão (Dalai Lama
1995, 2001). Muitos médicos concordam
que a Compaixão é central para a relação médico-paciente e a relação
terapeuta-cliente, mas somente recentemente os componentes da Compaixão foram
observados através da lente da ciência, da Psicologia e das pesquisas (Gilbert
2000, 2005ª, 2009; R. Davidson 2002; 2003a).
A Compaixão
deve ser pensada como uma habilidade que pode ser treinada, e quando praticada
com foco ela pode influenciar os sistemas neurofisiológicos e imunes (Davidson
2003; Lutz 2008). A Terapia Focada na Compaixão refere-se à teoria subjacente e
ao processo de aplicação de um modelo de Compaixão para a Psicoterapia.
O
treinamento da mente na Compaixão é feito com atividades específicas destinadas
a desenvolver os atributos e as habilidades da Compaixão, principalmente
aquelas que influenciam na Consciência e Regulação Emocional. A Terapia Focada
na Compaixão adota a filosofia de que a nossa compreensão dos processos
psicológicos e neurofisiológicos estão se desenvolvendo em ritmo acelerado, que
estamos agora nos movendo para além das escolas de psicoterapias tradicionais
indo em direção a uma ciência mais integrada, biopsicossocial de Psicoterapia
(Gilbert 2009).
A Prática Clínica
As primeiras
observações foram com as pessoas com níveis elevados de vergonha e autocrítica,
por terem uma enorme dificuldade de serem gentis e auto compassivas. Em segundo
lugar, sabemos que os problemas causados pela vergonha e autocrítica estão
muito enraizados em histórias de abusos, assédio moral, problemas interpessoais
ou familiares, negligência e /ou falta de afeto (Kaufman 1989; Andrews 1998;
Schore 1998). Os indivíduos submetidos à experiências precoces desse tipo podem
se tornar altamente sensíveis a ameaças de rejeição ou críticas do mundo
exterior e, podem rapidamente se auto atacarem, ou seja, eles transformam os
mundos internos e externos em ambientes hostis. Em terceiro lugar, já foi
reconhecido que o trabalho com a vergonha e a autocrítica requer um enfoque
terapêutico com as memórias de tais experiências precoces (Kaufman 1989, Schore
1998, Brewin 2003, 2006 e Gilbert 2005).
E em quarto lugar, há clientes que se envolvem com as tarefas cognitivas
e comportamentais de um processo terapêutico e acabam tornando-se hábeis em
gerar alternativas para seus pensamentos e crenças negativas, mas ainda
continuam necessitando da Psicoterapia para tratar de outros males (Rector
2000). Estes clientes costumam dizer “Eu entendo a logica do meu pensamento
alternativo, mas ele realmente não me ajuda a me sentir melhor” ou “Eu sei que não sou o culpado pelo abuso, mas
eu ainda sinto que eu sou”. Um elemento chave da Terapia Focada na
Compaixão está relacionado com a observação de que os indivíduos que são
propensos a níveis elevados de vergonha e autocrítica podem achar que é muito
difícil gerar sentimentos de contentamento, segurança ou calor em suas relações
com os outros e consigo mesmo.
Evolução e Neurociência
São muitas
as formas de abordar este problema, uma delas é se concentrar nas funções
evolutivas que sustentam que determinados tipos de sentimentos e estilos de
domínio social (Gilbert 1989). O que afeta os sistemas que nos permitem
sentirmos tranquilidade, segurança e calor humano? A investigação sobre a
neurofisiologia da emoção sugere que podemos distinguir pelo menos três tipos
de sistemas de regulação emocional (Depue 2005): Sistemas de ameaça proteção e
movimentação; sistemas de recurso de procura e emoção; sistemas de
contentamento, calma e assessoria.
Evidentemente que estes não são os únicos sistemas que podem ser
mapeados e conceituados.
Sistema de
Ameaça e Proteção – Todos os seres vivos evoluíram com sistemas básicos de
detecção de ameaça e proteção, e a cada dia compreendemos mais este sistema
(LeDoux 1998 e Panksepp 1998). Sua função é perceber as ameaças de forma rápida
e em seguida através do foco percebermos os sentimentos de raiva, ansiedade ou
nojo. Estes sentimentos provocam ondulações em nossos corpos, alertando-nos e
exortando-nos a tomar medidas contra aquilo que nos ameaça, buscando assim a
proteção. Sabemos que as saídas comportamentais são: luta, fuga ou submissão ou
busca do esconderijo (Marcas 1987; Gilbert 2001). O nosso sistema fisiológico é
programado em favor da máxima – é melhor prevenir do que remediar (Gilbert
1998), e é facilmente condicionado (Rosen 1998) sendo também a fonte de muitos
aspectos psicopatológicos.
Algumas
pessoas mais sensíveis ao sistema de
proteção contra ameaças de outros indivíduos desenvolvem estratégias de
segurança para respostas conflitantes.
Por exemplo, elas tornam-se submissas, predispondo a uma consciência de
posição, status e poder dos outros em relação a si mesmas, percebendo-se como
inferior, assim sentem-se socialmente ansiosos e inseguros, buscam a evasão em
face aos conflitos interpessoais (Gilbert 2007). Tais estratégias podem
aumentar sua vulnerabilidade à ansiedade e a depressão, diminuem sua autoestima
o que interfere com a sua capacidade de perseguir os objetivos de vida. No
modelo evolucionista, as estratégias podem envolver a combinação de estilos de
pensamento, sentimento e comportamento.
Estratégias
de sensibilização e detecção e proteção contra ameaças podem se tornar grandes
influencias sobre as formas em que a pessoa percebe e navega no seu próprio
mundo. Na Terapia Focada na Compaixão o
foco está em entender as funções dos sintomas e as dificuldades da pessoa em
termos de estratégias de segurança. Os primeiros aspectos que fazem a Compaixão
crescer, e fazer a pessoa reconhecer que a sua patologia e sintomas – não é
culpa dela – mas que pode ter surgido devido a estratégias de segurança. E
começar a desenvolver a reflexão compassiva e a validar o fato de que ela
precisa desenvolver estratégias de segurança. Na Terapia Focada na Compaixão,
quando os indivíduos param de criticar, condenar e culpar-se pelos sintomas,
pensamentos ou sentimentos, elas ficam livres para avançar no sentido de
assumir responsabilidades e aprender a lidar com elas.
Direção e Emoção
Os animais
precisam de emoção e sistemas motivacionais que eles levam um direção à
recompensas e obtenção de recursos importantes, que podem ser desde alimentos,
oportunidades sexuais, local para nidificação ou territórios e muito mais. Nos
seres humanos a função da unidade e o sistema da emoção serve para termos
sentimentos positivos que energizam e levam para procurar comida, sexo, amizade
etc.; é o sistema de desejos que nos guia para os objetivos mais importantes
(Depue 2005). Quando vencemos a concorrência, sentimos que passamos nos exames,
que podemos ter sentimentos de excitação e prazer. Assim os sentimentos ligados
a este sistema estão logicamente ligados à excitação, energização e podemos
dizer de sensacionalismo. Na Psicologia
Budista, os sentimentos positivos estão ligados a este tipo de sistema de
realização e os desejos que satisfazem podem nos dar apenas prazeres, mas não a
felicidade duradoura, porque os nossos sentimentos de prazer são dependentes da
aquisição de recompensas, recursos e realizações. No Budismo a felicidade vem
do cultivo e uma mente calma consciente e com compaixão focada (Dalai Lama
2001).
A Interação dos Dois Sistemas
O sistema de
acionamento e o sistema de proteção contra as ameaças podem estar ligados de
forma complexa, especialmente quando somos levados a evitar os eventos
negativos da vida, o que aparece nos pensamentos de deveres. Algumas pessoas
perseguem status, bens materiais e realização, a fim de obter segurança e
evitar os sentimentos de rejeição, subordinação ou inferioridade. Porque elas
podem sentir a necessidade de provarem a si mesmos que conseguem alcançar os
objetivos. Assim Depue & Morrone-Strupinsky (2005) sugerem que os estado de
procura, competitividade e trabalho podem evitar a rejeição e estão ligados ao
sistema de acionamento.
Na depressão
há um enfraquecimento do sistema, a criação de sentimentos de perda da afeição
positiva e da motivação (Gilbert 2007). A Terapia Focada na Compaixão explora a
função de objetivos do paciente e como o indivíduo reage se tropeçar ou deixar
de alcança-los. Existe decepção ou um ataque a si mesmo ou aos outros? Algumas
pessoas têm o objetivo de ser agradável, de gostar sempre. A função deste
objetivo é ganhar afeto e evitar a rejeição e o conflito, e se no final isto
falhar, eles se tornam autocríticos.
Contentamento Calma e Segurança
Quando os
animais não precisam estar atentos, nem lidar com ameaças ou perigos, eles têm
recursos suficientes para entrarem num estado de contentamento (Depue 2005). O
sistema de contentamento é repleto de emoções positivas que são muito
diferentes daquelas do sistema de acionamento. O contentamento está associado
com uma sensação de tranquilidade, bem-estar e tranquilidade – um estado de não
procura. O contentamento não é apenas a ausência de ameaças, ou de baixa
atividade do sistema de proteção contra os perigos.
Como Equilibrar os Sistemas
A base para
a Terapia Focada na Compaixão está nos conceitos de neurofisiologia e nos seus
processos complexos, na qual formulações e pensamentos do terapeuta são organizados
em torno dos três sistemas de regulação (Panksepp 1998; Depue 2005). Acredita-se
que estes três sistemas podem tornar-se desequilibrados e reequilibrar um deles
é um dos objetivos da Terapia.
Sensibilidade
e hiperatividade da proteção contra ameaças e/ou sistemas de acionamento é um
problema comum nas pessoas que possuem vergonha de si mesmas e muita
autocritica. Muitas pessoas acreditam que é muito difícil sentirem-se seguras
consigo mesmas e nas suas relações interpessoais. De acordo,
com os princípios da Terapia Focada na Compaixão, o sistema que acalma
não é suficientemente acessível para elas. E pode haver razões para isto, uma
das mais comuns que o indivíduo pode ter sido desestimulado no começo da vida;
por exemplo: uma criança pode receber mais ameaças que momentos de afeto e
carinho. Pesquisas mostram que emoções como o apego deixam o indivíduo em
atitudes de constante luta para poderem se sentir mais aliviados. Em consequência,
desenvolvem o apego ansioso ou então passam a evitar as relações interpessoais
(Mikulincer 2007). A Terapia Focada na Compaixão propõe que é o sistema calmante
que pode proporcionar uma sensação de alívio e calma. Indivíduos que não sabem
como acessar este sistema acham difícil terem momentos de tranquilidade ou
calma, e geram pensamentos ruminantes como forma alternativa, ou adotam
comportamentos inadequados.
Sistema Calmante como foco na Terapia
Neste
sistema, fica claro que a Terapia Focada na Compaixão centra-se principalmente
no desenvolvimento do sistema de segurança social. Que é um sistema particularmente sensível a
estímulos interpessoais de segurança social e aceitação. É também a chave para
a regulação dos sistemas de proteção contra ameaças. O papel do terapeuta é
ajudar o cliente a ter a experiência de segurança nas suas relações
interpessoais, de aprender a ter tolerância e a sentir-se mais seguro com
outros aspectos abordados no processo terapêutico afim de substituir a
autocritica pela bondade consigo mesmo (Paul Gilbert 2007).
Trabalhando com a Compaixão
A Terapia
Focada na Compaixão deve ser compreendida em termos de atributos e habilidades
específicas (Gilbert 1989, 2005, 2009), o foco central está no treinamento da
mente compassiva: ao demonstrar as habilidades e os atributos da Compaixão o
terapeuta os incute no paciente. Assim, o cliente é ajudado a desenvolver uma
relação compassiva interna com ele mesmo substituindo o culpado, o condenado e
o autocritico. São três os aspectos do engajamento terapêutico compassivo:
1. O Terapeuta
utiliza as habilidades e exprime os atributos da Compaixão;
2. O cliente
experimenta sua interação com o Terapeuta e vai experimentando cada um dos
atributos e habilidades da Compaixão;
3. O Terapeuta
ajuda o cliente a desenvolver os atributos de compaixão e habilidades
direcionadas ao cliente.
Atributos da Compaixão
Cuidados para o Bem – estar
Sensibilidade
Simpatia
Tolerância ao Stress
Empatia
Não Julgamento
Habilidades da Compaixão
As habilidades
da compaixão envolvem a criação de sentimentos de calor, bondade e apoio em uma
série de atividades que são (como os atributos da compaixão) essencialmente
multimodal e comum a muitas outras psicoterapias. São por exemplo:
Atenção Compassiva
Raciocínio Compassivo
Comportamento Compassivo
Imaginação Compassiva
Sentimento Compassivo
Sensação Compassiva
A importância da Autocompaixão
A Terapia
Focada na Compaixão segue uma abordagem comportamental (considerada a Terceira
Geração da Terapia Cognitiva Comportamental), sugerindo que os pensamentos e as
imagens internas podem atuar apenas como estímulos externos, ativando
diferentes partes do cérebro.
Conclusões
A Terapia
Focada na Compaixão é uma terapia integrada à Psicologia Social, Psicologia
Evolutiva, Psicologia Budista ou Contemplativa e à Neurociência. Inspira-se
também em muitos outros modelos terapêuticos que desenvolveram intervenções
para tipos específicos de problemas de saúde mental. A Terapia Focada na Compaixão junta-se às tradições
que buscam construir uma ciência terapêutica baseada na pesquisa e na
compreensão de como a nossa mente funciona, ao invés de focar em uma escola em particular,
modelo ou processo.
REFERÊNCIA:
BJPsych Advances – Artigo Terapia Focada na
Compaixão, Paul Gilbert – Avanços no Tratamento Psiquiatrico, Abril, 2009 - http://apt.rcpsych.org/
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