sábado, 13 de junho de 2015

Terapia Focada na Compaixão

Avanços nos tratamentos da Saúde Mental
Terapia Focada na Compaixão
  
 A Terapia Focada na compaixão é uma abordagem nova, integral e multimodal, faz parte da Psicologia Evolutiva e da psicologia Contemplativa, tem seu desenvolvimento baseado na Psicologia Budista e na Neurociência. Uma das suas principais preocupações é a utilização do treinamento da mente na forma compassiva para ajudar os profissionais a terem mais ferramentas na hora de ajudar as pessoas a desenvolverem e trabalharem com as experiências do outro, principalmente desenvolvendo o calor interno, a segurança e o estado de calma através da compaixão e da autocompaixão.


As propriedades curativas da Compaixão e do Altruísmo já foram escritos à séculos. Sua Santidade o Dalai Lama salienta: se você quer que os outros sejam felizes – foque na Compaixão; se você quer ser feliz – foque na Compaixão (Dalai Lama 1995, 2001).  Muitos médicos concordam que a Compaixão é central para a relação médico-paciente e a relação terapeuta-cliente, mas somente recentemente os componentes da Compaixão foram observados através da lente da ciência, da Psicologia e das pesquisas (Gilbert 2000, 2005ª, 2009; R. Davidson 2002; 2003a).

A Compaixão deve ser pensada como uma habilidade que pode ser treinada, e quando praticada com foco ela pode influenciar os sistemas neurofisiológicos e imunes (Davidson 2003; Lutz 2008). A Terapia Focada na Compaixão refere-se à teoria subjacente e ao processo de aplicação de um modelo de Compaixão para a Psicoterapia.

O treinamento da mente na Compaixão é feito com atividades específicas destinadas a desenvolver os atributos e as habilidades da Compaixão, principalmente aquelas que influenciam na Consciência e Regulação Emocional. A Terapia Focada na Compaixão adota a filosofia de que a nossa compreensão dos processos psicológicos e neurofisiológicos estão se desenvolvendo em ritmo acelerado, que estamos agora nos movendo para além das escolas de psicoterapias tradicionais indo em direção a uma ciência mais integrada, biopsicossocial de Psicoterapia (Gilbert 2009).

A Prática Clínica

As primeiras observações foram com as pessoas com níveis elevados de vergonha e autocrítica, por terem uma enorme dificuldade de serem gentis e auto compassivas. Em segundo lugar, sabemos que os problemas causados pela vergonha e autocrítica estão muito enraizados em histórias de abusos, assédio moral, problemas interpessoais ou familiares, negligência e /ou falta de afeto (Kaufman 1989; Andrews 1998; Schore 1998). Os indivíduos submetidos à experiências precoces desse tipo podem se tornar altamente sensíveis a ameaças de rejeição ou críticas do mundo exterior e, podem rapidamente se auto atacarem, ou seja, eles transformam os mundos internos e externos em ambientes hostis. Em terceiro lugar, já foi reconhecido que o trabalho com a vergonha e a autocrítica requer um enfoque terapêutico com as memórias de tais experiências precoces (Kaufman 1989, Schore 1998, Brewin 2003, 2006 e Gilbert 2005).  E em quarto lugar, há clientes que se envolvem com as tarefas cognitivas e comportamentais de um processo terapêutico e acabam tornando-se hábeis em gerar alternativas para seus pensamentos e crenças negativas, mas ainda continuam necessitando da Psicoterapia para tratar de outros males (Rector 2000). Estes clientes costumam  dizer “Eu entendo a logica do meu pensamento alternativo, mas ele realmente não me ajuda a me sentir melhor” ou “Eu sei que não sou o culpado pelo abuso, mas eu ainda sinto que eu sou”. Um elemento chave da Terapia Focada na Compaixão está relacionado com a observação de que os indivíduos que são propensos a níveis elevados de vergonha e autocrítica podem achar que é muito difícil gerar sentimentos de contentamento, segurança ou calor em suas relações com os outros e consigo mesmo.

Evolução e Neurociência

São muitas as formas de abordar este problema, uma delas é se concentrar nas funções evolutivas que sustentam que determinados tipos de sentimentos e estilos de domínio social (Gilbert 1989). O que afeta os sistemas que nos permitem sentirmos tranquilidade, segurança e calor humano? A investigação sobre a neurofisiologia da emoção sugere que podemos distinguir pelo menos três tipos de sistemas de regulação emocional (Depue 2005): Sistemas de ameaça proteção e movimentação; sistemas de recurso de procura e emoção; sistemas de contentamento, calma e assessoria.  Evidentemente que estes não são os únicos sistemas que podem ser mapeados e conceituados.

Sistema de Ameaça e Proteção – Todos os seres vivos evoluíram com sistemas básicos de detecção de ameaça e proteção, e a cada dia compreendemos mais este sistema (LeDoux 1998 e Panksepp 1998). Sua função é perceber as ameaças de forma rápida e em seguida através do foco percebermos os sentimentos de raiva, ansiedade ou nojo. Estes sentimentos provocam ondulações em nossos corpos, alertando-nos e exortando-nos a tomar medidas contra aquilo que nos ameaça, buscando assim a proteção. Sabemos que as saídas comportamentais são: luta, fuga ou submissão ou busca do esconderijo (Marcas 1987; Gilbert 2001). O nosso sistema fisiológico é programado em favor da máxima – é melhor prevenir do que remediar (Gilbert 1998), e é facilmente condicionado (Rosen 1998) sendo também a fonte de muitos aspectos psicopatológicos.

Algumas pessoas  mais sensíveis ao sistema de proteção contra ameaças de outros indivíduos desenvolvem estratégias de segurança para respostas conflitantes.  Por exemplo, elas tornam-se submissas, predispondo a uma consciência de posição, status e poder dos outros em relação a si mesmas, percebendo-se como inferior, assim sentem-se socialmente ansiosos e inseguros, buscam a evasão em face aos conflitos interpessoais (Gilbert 2007). Tais estratégias podem aumentar sua vulnerabilidade à ansiedade e a depressão, diminuem sua autoestima o que interfere com a sua capacidade de perseguir os objetivos de vida. No modelo evolucionista, as estratégias podem envolver a combinação de estilos de pensamento, sentimento e comportamento.

Estratégias de sensibilização e detecção e proteção contra ameaças podem se tornar grandes influencias sobre as formas em que a pessoa percebe e navega no seu próprio mundo.  Na Terapia Focada na Compaixão o foco está em entender as funções dos sintomas e as dificuldades da pessoa em termos de estratégias de segurança. Os primeiros aspectos que fazem a Compaixão crescer, e fazer a pessoa reconhecer que a sua patologia e sintomas – não é culpa dela – mas que pode ter surgido devido a estratégias de segurança. E começar a desenvolver a reflexão compassiva e a validar o fato de que ela precisa desenvolver estratégias de segurança. Na Terapia Focada na Compaixão, quando os indivíduos param de criticar, condenar e culpar-se pelos sintomas, pensamentos ou sentimentos, elas ficam livres para avançar no sentido de assumir responsabilidades e aprender a lidar com elas.

Direção e Emoção

Os animais precisam de emoção e sistemas motivacionais que eles levam um direção à recompensas e obtenção de recursos importantes, que podem ser desde alimentos, oportunidades sexuais, local para nidificação ou territórios e muito mais. Nos seres humanos a função da unidade e o sistema da emoção serve para termos sentimentos positivos que energizam e levam para procurar comida, sexo, amizade etc.; é o sistema de desejos que nos guia para os objetivos mais importantes (Depue 2005). Quando vencemos a concorrência, sentimos que passamos nos exames, que podemos ter sentimentos de excitação e prazer. Assim os sentimentos ligados a este sistema estão logicamente ligados à excitação, energização e podemos dizer de sensacionalismo.  Na Psicologia Budista, os sentimentos positivos estão ligados a este tipo de sistema de realização e os desejos que satisfazem podem nos dar apenas prazeres, mas não a felicidade duradoura, porque os nossos sentimentos de prazer são dependentes da aquisição de recompensas, recursos e realizações. No Budismo a felicidade vem do cultivo e uma mente calma consciente e com compaixão focada (Dalai Lama 2001).

A Interação dos Dois Sistemas

O sistema de acionamento e o sistema de proteção contra as ameaças podem estar ligados de forma complexa, especialmente quando somos levados a evitar os eventos negativos da vida, o que aparece nos pensamentos de deveres. Algumas pessoas perseguem status, bens materiais e realização, a fim de obter segurança e evitar os sentimentos de rejeição, subordinação ou inferioridade. Porque elas podem sentir a necessidade de provarem a si mesmos que conseguem alcançar os objetivos. Assim Depue & Morrone-Strupinsky (2005) sugerem que os estado de procura, competitividade e trabalho podem evitar a rejeição e estão ligados ao sistema de acionamento.

Na depressão há um enfraquecimento do sistema, a criação de sentimentos de perda da afeição positiva e da motivação (Gilbert 2007). A Terapia Focada na Compaixão explora a função de objetivos do paciente e como o indivíduo reage se tropeçar ou deixar de alcança-los. Existe decepção ou um ataque a si mesmo ou aos outros? Algumas pessoas têm o objetivo de ser agradável, de gostar sempre. A função deste objetivo é ganhar afeto e evitar a rejeição e o conflito, e se no final isto falhar, eles se tornam autocríticos.

Contentamento Calma e Segurança

Quando os animais não precisam estar atentos, nem lidar com ameaças ou perigos, eles têm recursos suficientes para entrarem num estado de contentamento (Depue 2005). O sistema de contentamento é repleto de emoções positivas que são muito diferentes daquelas do sistema de acionamento. O contentamento está associado com uma sensação de tranquilidade, bem-estar e tranquilidade – um estado de não procura. O contentamento não é apenas a ausência de ameaças, ou de baixa atividade do sistema de proteção contra os perigos.

Como Equilibrar os Sistemas

A base para a Terapia Focada na Compaixão está nos conceitos de neurofisiologia e nos seus processos complexos, na qual formulações e pensamentos do terapeuta são organizados em torno dos três sistemas de regulação (Panksepp 1998; Depue 2005). Acredita-se que estes três sistemas podem tornar-se desequilibrados e reequilibrar um deles é um dos objetivos da Terapia.

Sensibilidade e hiperatividade da proteção contra ameaças e/ou sistemas de acionamento é um problema comum nas pessoas que possuem vergonha de si mesmas e muita autocritica. Muitas pessoas acreditam que é muito difícil sentirem-se seguras consigo mesmas e nas suas relações interpessoais.  De acordo,  com os princípios da Terapia Focada na Compaixão, o sistema que acalma não é suficientemente acessível para elas. E pode haver razões para isto, uma das mais comuns que o indivíduo pode ter sido desestimulado no começo da vida; por exemplo: uma criança pode receber mais ameaças que momentos de afeto e carinho. Pesquisas mostram que emoções como o apego deixam o indivíduo em atitudes de constante luta para poderem se sentir mais aliviados. Em consequência, desenvolvem o apego ansioso ou então passam a evitar as relações interpessoais (Mikulincer 2007). A Terapia Focada na Compaixão propõe que é o sistema calmante que pode proporcionar uma sensação de alívio e calma. Indivíduos que não sabem como acessar este sistema acham difícil terem momentos de tranquilidade ou calma, e geram pensamentos ruminantes como forma alternativa, ou adotam comportamentos inadequados.

Sistema Calmante como foco na Terapia

Neste sistema, fica claro que a Terapia Focada na Compaixão centra-se principalmente no desenvolvimento do sistema de segurança social.  Que é um sistema particularmente sensível a estímulos interpessoais de segurança social e aceitação. É também a chave para a regulação dos sistemas de proteção contra ameaças. O papel do terapeuta é ajudar o cliente a ter a experiência de segurança nas suas relações interpessoais, de aprender a ter tolerância e a sentir-se mais seguro com outros aspectos abordados no processo terapêutico afim de substituir a autocritica pela bondade consigo mesmo (Paul Gilbert 2007).

Trabalhando com a Compaixão

A Terapia Focada na Compaixão deve ser compreendida em termos de atributos e habilidades específicas (Gilbert 1989, 2005, 2009), o foco central está no treinamento da mente compassiva: ao demonstrar as habilidades e os atributos da Compaixão o terapeuta os incute no paciente. Assim, o cliente é ajudado a desenvolver uma relação compassiva interna com ele mesmo substituindo o culpado, o condenado e o autocritico. São três os aspectos do engajamento terapêutico compassivo:

1.    O Terapeuta utiliza as habilidades e exprime os atributos da Compaixão;
2.    O cliente experimenta sua interação com o Terapeuta e vai experimentando cada um dos atributos e habilidades da Compaixão;
3.    O Terapeuta ajuda o cliente a desenvolver os atributos de compaixão e habilidades direcionadas ao cliente.

Atributos da Compaixão

Cuidados para o Bem – estar
Sensibilidade
Simpatia
Tolerância ao Stress
Empatia
Não Julgamento

Habilidades da Compaixão

As habilidades da compaixão envolvem a criação de sentimentos de calor, bondade e apoio em uma série de atividades que são (como os atributos da compaixão) essencialmente multimodal e comum a muitas outras psicoterapias. São por exemplo:

Atenção Compassiva
Raciocínio Compassivo
Comportamento Compassivo
Imaginação Compassiva
Sentimento Compassivo
Sensação Compassiva

A importância da Autocompaixão

A Terapia Focada na Compaixão segue uma abordagem comportamental (considerada a Terceira Geração da Terapia Cognitiva Comportamental), sugerindo que os pensamentos e as imagens internas podem atuar apenas como estímulos externos, ativando diferentes partes do cérebro.

Conclusões

A Terapia Focada na Compaixão é uma terapia integrada à Psicologia Social, Psicologia Evolutiva, Psicologia Budista ou Contemplativa e à Neurociência. Inspira-se também em muitos outros modelos terapêuticos que desenvolveram intervenções para tipos específicos de problemas de saúde mental.  A Terapia Focada na Compaixão junta-se às tradições que buscam construir uma ciência terapêutica baseada na pesquisa e na compreensão de como a nossa mente funciona, ao invés de focar em uma escola em particular, modelo ou processo.

REFERÊNCIA:

BJPsych Advances – Artigo Terapia Focada na Compaixão, Paul Gilbert – Avanços no Tratamento Psiquiatrico, Abril, 2009 - http://apt.rcpsych.org/






















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