Apenas uma discussão – porque afinal ninguém
quer sofrer, e a busca pelo bem-estar, a tão procurada qualidade de vida e a
felicidade devem ser trilhadas em estradas seguras.
Todos nós queremos o bem-estar, uma vida sem
mentiras nem sofrimentos. Porém o apego para a Psicologia Budista é um veneno,
de acordo com os ensinamentos budistas todo o sofrimento vem do apego que
desenvolvemos pelas coisas, pessoas, conhecimentos, crenças, etc.. Nossa
experiência de vida é profundamente afetada nos primeiros anos de vida, por
mais amados que tenhamos sido pelos nossos pais e por quem mais tenha cuidado
de nós. O apego que desenvolvemos por quem cuida de nós afeta nos
relacionamentos ao longo de nossas vidas, seja de forma positiva ou negativa.
Até mesmo o apego ao prazer ou ao bem-estar pode provocar sofrimento. E a fim
de acabar com o sofrimento somos ensinados a nos desapegar.
Para quem estuda a Psicologia Budista e todo
o conjunto de ensinamentos, fica contraditório aplicar a teoria do desapego,
principalmente quando estamos diante de relacionamentos tão complexos como os
dos pais e filhos. Principalmente quando pensamos em parentalidade consciente.
Gostaria de alguma forma relacionar a Teoria
do Apego e a Psicologia Budista ou Contemplativa, para verificar se realmente
existe alguma contradição entre estas abordagens, já que todos os caminhos para
a felicidade são consistentes.
Estudo o desenvolvimento e a expansão da
consciência a muitos anos, principalmente a importância de liderarmos
conscientemente as nossas vidas em todos os seus aspectos. Pessoalmente
acredito que a mudança do mundo começa com a mudança interna. E este estudo
levou a buscar no Oriente, com especial atenção aos ensinamentos do Vedanta e
posteriormente dos budistas, e por ultima da Psicologia Integral para dar
consistência e clareza às minhas pesquisas. A prática da meditação ajudou no
processo, e com o tempo revelou-se para mim, como já tinha acontecido claro com
inúmeros grandes nomes da área de fundamental importância.
A Teoria do
Apego
Ela foi iniciada por John Bowlby e Mary Ainsworth – e diz respeito à qualidade
da relação que existe entre o pai/cuidador e a criança; está conectada com o
desejo inato de estabelecer um laço afetivo. A criança não consegue viver por
conta própria, precisa de cuidados especiais desde o nascer para crescer de
forma saudável e íntegra, assim ela se apega àqueles que dela cuidam. Mas
sabemos que crianças que vem em instituições de péssima qualidade, por exemplo,
podem não desenvolver nenhum apego, principalmente quando se sentem isoladas. E
isto terá reflexos negativos na formação de sua personalidade, um teste chamado
de Strange Situation feito em laboratório pode identificar o padrão de apego em
crianças a partir de um ano de idade. O apego pode ser dividido em dois padrões de
fixação: Organizado e o Desorganizado.
O apego organizado, pode ser ainda
classificado de seguro ou inseguro. Como exemplo de Apego Seguro temo o da
criança que chora quando o pai/cuidador se afasta dela, um cuidador que
desempenha o seu papel de forma adequada, suprindo todas as necessidades da
criança. Este tipo de apego ainda é subdividido em: esquivo e ambivalente. O Apego
evitativo é aquele é aquela que ignora
quando o cuidador se afasta. Uma criança com apego ambivalente é mais “grudenta,
pegajosa”, tem certa raiva do cuidador/pai.
O Apego Desorganizado é aquele que surge
fruto de ameaças ou abusos do cuidador/pai, a criança desenvolve o medo. As crianças
com apego desorganizado desenvolvem um estado de confusão, porque o cuidador ao
mesmo tempo é fonte de ameaças, conforto e cuidados essenciais. Assim ela
costuma ter comportamentos contraditórios, tais como o congelamento,
incapacidade de julgar ou de fugir.
O AAI (Adult Attachment) consegue identificar
o tipo de padrão de apego em um adulto
que corresponde ao padrão de apego infantil.
As pessoas com apego seguro são mais resiliente
quando ocorre situações de luto, lidam melhor com a dor da solidão. Já as que
têm o padrão de apego inseguro tem maior dificuldade em lidar com a dor. Aquelas
com padrão ambivalente costumam ser excessivamente emocionais, e as com apego
evitativo ignoram as suas emoções além do limite razoável.
A Teoria do Apego foi resumida a ponto de
apenas compreendermos que o apego seguro é o padrão desejável para adultos e
crianças. Formas de comportamentos
parentais que levem ao desenvolvimento do Apego organizado (Seguro, Evitativo
ou Ambivalente) são aqueles considerados “suficientemente bom” segundo George e
Salomão (1999).
A Psicologia
Budista
Na Psicologia Budista assim como em todos os
Sutras, traduzidos da língua Pali, a palavra Dukka, quer dizer sofrimento, e tem um sentido muito amplo indo da
dor física, tristeza, pobreza etc, portanto todo e qualquer sofrimento
associados à matéria, emoções/sensações, relacionamentos etc. E a busca do
Budismo é pelo fim do sofrimento, e faz uma sutil distinção entre desejo e
apego. O sofrimento surge quando dedico especial ou excessiva atenção ao objeto
do desejo, e apego é quando não permito que o objeto do desejo se vá. Então para
a Psicologia Budista o desejo causa o apego. O desejo é um fator condicionado à
mente, funciona de forma automática e por isto é explicado como a fonte do
sofrimento. Os ensinamentos budistas nos ensinam que podemos acabar com o
sofrimento, desaparecendo com o desejo, e quando isto ocorre passamos para um
estado mental denominado de Iluminação. Para que isto ocorra é fundamental a
observância dos conselhos, atividades diárias e a prática da meditação.
A questão não está na proibição de termos
desejos, mas na ânsia que ele causa que nos faz sofrer. Assim o mais saudável é
a repressão dos desejos. E isto vale
para todos os seres humanos, budistas e não budistas. Porque sabemos que por
trás do desejo estão sentimentos de ganância e obsessão e todas as outras formas
de posse. Os ensinamentos não são funcionais e adequados somente para quem
prática a filosofia budistas, ela é funcional para todos os seres que querem
desenvolver e expandir a consciência. E as práticas meditativas como as
práticas silenciosas, sentadas como a Shamatha (Mindfulness), ou Zen, a
Vipassyana nada possuem de religiosas e podem ser praticadas por qualquer
pessoa, de todas as idades.
Estudos e pesquisas científicas protocoladas
em grandes centros de pesquisas demostraram que a meditação funciona como uma
terapia complementar, e por isto tem sido adotada por médicos, psicólogos,
psiquiatras, educadores e até mesmo grandes corporações como a Google, Apple,
Deustch Bank entre outras tem incentivado a prática diária das técnicas com
efeitos positivos.
A Filosofia e a Psicologia Budista trabalham
especialmente com técnicas que desenvolvem a bondade (Metta) e a compaixão
(Karuna). O uso do termo desapego é muito mal compreendido por leigos quando se
referem à Psicologia Budista. Aqui a Bondade Amorosa (Metta Bhavana) é
considerada como o amor incondicional, e este por sua vez não é baseado no amor
que leva ao prazer sensual, mas uma qualidade de amor desprovido de todos os
comportamentos condicionados e estados mentais que incluem até mesmo o controle
através de castigos e recompensas. Estudiosos como Jon Kabat Zinn (1997),
Napthali (2003) e Matthieu Ricard (2015) apontam nesta mesma direção.
A palavra – Apego – na Psicologia Budista
está baseada nos ensinamentos budistas, e é associada à ideia do desejo com
qualquer coisa (material, emocional ou mental). Então neste sentido o – não-apego
- significa a ausência do desejo, que é
um estado desejável (Vogel 2008), e isto não significa que não existe amor.
Para Haidt (2006) que discute a Teoria do Apego e o Budismo, cortar todos os
tipos de apegos é um erro, ele escreve “apegos
trazem dor, mas também trazem grandes alegrias”. Certamente que seria um erro cortar as
relações e o amor, a proposta de cortar todo o desejo é completamente diferente.
Devemos manter em mente que o desejo trás dor e é o amor que trás alegrias. E é
neste aspecto que a Teoria do Apego e a Psicologia Budista são consistentes.
Teoria do
Apego e o Budismo
Para aqueles que já conhecem um pouquinho
sobre o Budismo e a Psicologia por trás de seus ensinamentos, podemos
considerar o Apego Seguro como o Caminho do Meio ensinado por Budha em suas
Quatro Nobres Verdades. O Caminho do Meio significa antes de mais nada o ato de
evitar os extremos tanto de indulgência sensual até a auto mortificação. Para
mim é muito mais do que isto, afinal o próprio Budha ensina que nem um dos
aspectos dos extremos é bons. Considerando desta forma o não desejo ou não
apego podem ser vistos como o Caminho do Meio entre os extremos, a ânsia excessiva/apego e a
supressão dos desejos (Yong via Dilon, 2008). As pessoas com padrão de apego
evitativo tendem a minimizar a reação emocional ao sofrimento, aquelas que são
ambivalentes tendem a maximizar. Entre estes extremos estão as pessoas com
padrão de apego seguro que tendem a responder de forma bastante natural e de
forma adequada para a desregulação emocional, sem exagero.
Outra consideração dos ensinamentos budista
muito importante é a – Impermanência (Anicca), ou seja, o conceito de que nada,
absolutamente nada é permanente. As pessoas com padrão seguro parecem encarnar
muito bem este princípio, parecem mesmo saber que nada é realmente seguro. Elas
sabem lidar com seus relacionamentos de forma mais natural do que aqueles com
padrão inseguro. Pois olham os diferentes aspectos da vida de forma objetiva. Já
as pessoas com padrão ambivalente parecem tomar posse das pessoas ou coisas
como se tudo estivesse disponível permanentemente. Aquelas com padrão evitativo
procuram suprimir o seu desejo pelas pessoas ou coisas como se elas fossem
permanentemente indisponíveis. Podemos refletir sobre a citação de Goldstein e
Kornfield (1987) sobre a Teoria do Apego:
“As
coisas são inseguras e insatisfatórias no sentido de que algo está sempre
mudando é incapaz de dar-nos uma sensação duradoura de conclusão ou realização.
Quando vemos isso profundamente em nós mesmos, mas também começa a descondicionar
as forças fortes do desejo e apego na mente. Nós começamos a deixar ir,
permitindo o fluxo inevitável da mudança, em vez de tentar agarrar a alguma
coisa pensando que ela vai nos fazer felizes para sempre depois”.
Para Shaver (2006) a “Teoria do Apego ajuda a explicar porque as pessoas inseguras são menos
compassivas e gentis do que as pessoas seguras: Oferecer um cuidado é um
sistema comportamental inato, que é prejudicado pela insegurança do apego”.
Em certo sentido, as pessoas com apego inseguro estão mais preocupadas consigo
mesmas (Gillath e Shaver 2005).
Estamos vivendo tempos em que cada indivíduo
se auto valoriza, a noção de não – eu parece chocante e estranha. Porém para a Psicologia Budista, o não – eu é
tão importante quanto o sofrimento e a impermanência. O Budismo não nega a autoconsciência,
mas ao contrário postula que não existe uma entidade contínua, permanentemente
associada a cada indivíduo. Muitas
pesquisas e estudos científicos mostram que a posição budista não é muito
diferente dos desenvolvimentos recentes da ciência. Alguns pesquisadores sobre
a Teoria do Apego argumentam que o ser contínuo é uma ilusão do “eu”, é uma
coleção de atitudes, expectativas, significados e sentimentos (Siegel, 1999).
Todas as
estradas para o bem-estar devem ser consistentes
Devemos considerar esta reflexão de forma bem
ampla, incluindo os aspectos físicos, psicológicos, sociais e muitos outros.
Uma felicidade obtida à custa de outra pessoa está muito longe de ser
verdadeira. Também devemos considerar que existem diferentes abordagens com bem-estar. Mas todas elas devem ser
coerentes, mesmo que mudem os ambientes, lugares ou tempos. Por exemplo: algumas pessoas têm mais
sensações de bem-estar com posturas invertidas no Yoga, enquanto que outras
não.
Devemos então manter as nossas mentes bem
abertas para o que significa bem-estar. A Psicologia Budista, assim como a sua
Filosofia e Religião são notórios sobre a importância da abertura espiritual.
SS Dalai Lama (2005) afirma: “se a análise científica fosse conclusiva para demonstrar
determinadas alegações que o Budismo são
falsas, então devemos aceitar as descobertas da ciência e abandonar essas alegações”.
Ele tem sido muito reconhecido pelo seu esforço em acolher e/ou assistir a
conferências que integram o Budismo e a ciência. O próprio Budha repetidamente
instava seus seguidores a experimentar e verificar as suas palavras por
si-mesmos. Isso demonstra a confiança que os ensinamentos budistas nos passam.
Concluindo
O Apego Seguro é um estado desejável e de
maior relevância que o não-apego, e o não desejo instado pelo Budismo (com
significado mais preciso do que não – apego) apontam na mesma direção e sem
nenhuma contradição. O apego seguro pode ser observado em outras noções dos
ensinamentos budistas como: caminho do meio, impermanência e não-eu. O que leva
à hipótese de que todos os caminhos para o bem-estar são consistentes. Mas para que isto ocorra é muito importante
nos mantermos com a mente aberta a novas reflexões e propostas, ou seja,
exclusivismo não leva ao bem-estar. E por ultimo, que a prática diária e
disciplinada da meditação pode e deve ser aplicada para o auto aperfeiçoamento,
inclusive nos casos de apego inseguro e nos casos de pensamentos condicionados.
Nobo Komagata (Set/2009)
REFERÊNCIAS:
· Copeland, Liz 2007 Budhist Parenting;
· Goldstein, Joseph and Kornfield Seeking the heart of wisdom: The
Path os Insight Meditation; (1987)
· Kabat Zinn, Myla, (1997) Everyday Blessings: The Inner Work of
Mindfulness Pareting;
· Komagata, Nobo e Komagata
Sachiko (2008) Unconditional Pareting and Secure Attachment. http://nobo.komagata.net/pub/Komagata09-Xtachment.html
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