terça-feira, 27 de agosto de 2013

O Dzogchen na Tradição Bon - Lama Tenzin Wangyal Rinpoche

O Dzogchen na Tradição Bön

A sabedoria auto-surgida é a Base,
As cinco emoções negativas são a energia manifesta,
Ver as emoções como erradas é um erro,
Deixá-las em sua natureza é o Caminho,
Para encontrar o estado não-dual da liberação,
Superar a esperança e o medo é o Fruto.

Apesar de haver praticantes de Dzogchen em todas as tradições religiosas tibetanas – como o Quinto Dalai Lama da Escola Gelugpa, o Terceiro Rangjung Dorje da Escola Kagyupa e Dragpa Gyaltsen da escola Sakyapa – as linhagens mais importantes do Dzogchen são encontradas no Bom, a religião nativa do Tibet, e na Escola Budista Tibetana Nyingmapa (a mais antiga). Ambas as tradições classificam o seu ensinamento em nove caminhos de prática que conduzem à iluminação ou à realização, e em ambas as classificações, o Dozgchen é o nono e mais elevado caminho.
Nos dias de hoje, mestres de todas as escolas tibetanas têm começado a ensinar Dzogchen e parece que ele está se tornando um tipo de moda no Ocidente.
O Dzogchen
Dzogchen (Tib. rdzogs Chen) significa literalmente “perfeição”, “realização” ou “completude” (tib. Rdzogs) que é “completa” ou “grande” (tib. Chen). Apesar de o Dzogchen ser a “grande esfera única”, por conveniência ele é descrito como possuidor dos três aspectos da Base, Caminho e Fruto: Base – porque o solo do Dzogchen é o estado primordial do indivíduo, Caminho – porque o Dzogchen é o supremo caminho direto e imediato para a realização, e Fruto - - porque o Dzogchen é a consumação da iluminação, a liberação em uma única vida do ciclo da ilusória transmigração samsárica.
A fim de compreender melhor o Dzogchen, vamos olhar mais para a divisão em Base, Caminho e Fruto.
De acordo com o ensinamento do Dzogchen, a Essência da Base de tudo é vazia e primordialmente pura; a Natureza da Base é a claridade que é espontaneamente perfeita; a união inseparável da Essência primordialmente pura e da Natureza espontaneamente perfeita é o fluxo não – obstruído da Energia ou da Compaixão. Na mente individual, esta Base é o estado natural, e é a fonte do Samsara para a mente iludida (tib. Ma rig PA) e a fonte de Nirvana para a mente na qual o conhecimento (tib. Rig pa) está desperto.
A essência da Base, ou Kunshi (tib. Kun zhi) é chamada de Mãe (tib. Ma); a consciência desperta (tib. Rigpa) é chamada de Filho (tib. Bu); e a inseparabilidade da mãe e do filho é o fluxo de Energia (tib. Tsal).

O Caminho é constituído de se ganhara insight na Visão no Dzogchen – que é o conhecimento da condição verdadeira da Base do indivíduo – e de se fazer o fluxo de Rigpa – cultivado através da Meditação – ser contínuo no período a pós-meditação, para que ele seja integrado em nosso Comportamento, ou Atitude, e nas atividades da vida cotidiana.
O Fruto é a realização nesta vida dos três Kayas inerentes e culmina com o alcance do corpo de arco – íris, ou corpo de luz, no momento da morte, no qual o corpo material não deixa restos mortais, mas sim se dissolve em sal natureza, que é a Luz.
O Dzogchen no Contexto da Prática Espiritual Bön
O Dzogchen é a mais alta tradição espiritual no Bom. No passado, os praticantes que conheciam e praticavam o Dzogchen no Tibet eram poucos, mesmo dentro das tradições Bom e Nyingma. Um motivo para isto é que não era fácil receber estes ensinamentos; eles eram mantidos de forma muito secreta, poucos mestres os davam e para poucos estudantes. Mesmo nos dias de hoje, os adeptos leigos do Bom no Tibet geralmente passam bastante tempo realizando as nove práticas preliminares (tib. ngöndro / sngon’gro) e o p’howa, enquanto os monges que permanecem nos monastérios engajam-se principalmente no estudo intelectual e filosófico, no debate e na recitação de textos rituais e litúrgicos.
Muitos mestres insistem (e muitos mestres agora continuam a insistir) que os praticantes devem completar as práticas de ngöndro antes de serem dados os ensinamentos do Dzogchen. Estas práticas preliminares são descritas no Nyamgyü Gyalwe Chagtri (tib. Nyams rgyal ba’i phyag krid). Cada uma destas nove práticas deve ser realizada cem mil vezes. As nove práticas são:
1.      Geração de compaixão por todos os seres sencientes;
2.      Tomada de Refúgio;
3.      Oferenda de Mandala;
4.      Meditação sobre a Impermanência;
5.      Confissão das transgressões;
6.      Prostrações;
7.      Guru Yoga, fundir a própria mente com a mente iluminada do mestre visualizado à frente;
8.      Oferenda de Preces;
9.      9. Recebimento de Bênçãos.
Entretanto, quando recebi o ensinamento do Shangshung Nyamgyü, Lopön Sangye Tenzin afirmou que nos tempos antigos pode ter sido adequado manter o ensinamento do Dzogchen em segredo, porém em nossos tempos problemáticos é melhor dá-los mais aberta e livremente (mas sem diminuir seu valor neste caminho), pois de outro modo há o perigo de que ele desapareça.
O Dzogchen no Bön e no Nyingma
Vimos que o Dzogchen é comum ao Bön e ao Budismo Nyingmapa, e que estas duas tradições espirituais também têm em comum uma divisão de seus caminhos ou modos de observância religiosa em nove partes. Entretanto, há diferenças maiores entre as respectivas divisões nos nove caminhos dos Bönpos e dos Nyingmapas. É importante notar que há seis, e não nove, graus de prática nas outras escolas budistas tibetanas – Kagyüpa, Sakyapa e Gelugpa – que, aderem à nova tradição de traduções posteriores do cânone budista, tomadas durante a segunda difusão do Budismo no Tibet durante os séculos X e XI. Os nove caminhos dos budistas são compostos apenas pelo material budista tradicional e, falando estritamente (como Professor Snellgrove apontou) os dois caminhos inferiores - pertencentes ao Budismo Hinayana – são praticamente irrelevantes às práticas religiosas budistas tibetanas, que são baseadas no Budismo Mahayana.
Assim como as práticas de origem budista, os nove caminhos dos Bönpos compreendem o compasso inteiro dos costumes, crenças e práticas religiosas indígenas dos tibetanos, incluindo ciência médica, astrologia, cosmologia, sortilégios e predições, pacificação e exorcismo de poderosos maus espíritos e fantasmas, ritos para a prosperidade e ritos tântricos para destruição de inimigos, resgate e ajudo para os mortos, disciplina moral para os praticantes leigos e monásticos, práticas e ritos tântricos, hagiografia, e o mais elevado caminho espiritual do Dzogchen. Quanto a este respeito, o Bön pode ser dito como sendo a verdadeira religião do Tibet, abraçando tanto as observâncias religiosas autóctones quanto as importadas.
Há também muitos pontos em comum entre o Bön e o Budismo Nyingmapa. Como foi notado, ambos mantém e propagam de modo oficial a transmissão dos ensinamentos do Dzogchen, que são encontrados apenas esporadicamente em dotados praticantes individuais das outras tradições que não têm linhagens específicas de mestres de Dzogchen. Ambos veneram Küntuzangpo (sânsc. Samanthabhadra) como o supremo Adibuddha Primordial, enquanto que as outras escolas do budismo tibetano veneram Vajradhara como o Adibuddha, e ambos têm uma tradição de termas - tesouros espirituais escondidos e, redescobertos por tertöns (personagens profetizados a revelar o terma em tempos propícios). De fato, muitos tertöns famosos pertenciam a ambas as tradições.
Além disso, os Nyingmapas são os únicos budistas tibetanos que reconhecem abertamente como budistas os ensinamentos de origem não-indiana que foram propagados durante a primeira introdução do Budismo no Tibet, durante o reinado de Songtsen Gampo, e posteriormente no século VIII pelo carismático mestre Padmasambhava e seus associados. Estes ensinamentos incluem correntes de ensinamento budista vindos da China e da Ásia Central, assim como da Índia. Na segunda difusão do Budismo no Tibet, nos séculos X e XI, todos os ensinamentos budistas dos quais uma origem indiana não pode ser identificada foram excluídos do cânone budista apresentado como oficial pelas outras três escolas posteriores do Budismo Tibetano. Os Bönpos afirmam que o Buddha Shakyamuni foi um discípulo de Tönpa Shenrab Miwoche e que todos os ensinamentos budistas, originados na Índia ou em qualquer outro lugar, são de fato ensinamentos do Bön eterno.
As Três Correntes de Dzogchen no Bön
No Bön, o Dzogchen tem sido tradicionalmente dividido em três correntes conhecidas coletivamente como A-Dzog-Nyangyü (tib. A rdzogs snyan rgyud), isto é, Ath’ri, Dzogchen e Shangshung Nyangyü. As duas primeiras são tradições de terma, baseados em textos redescobertos, enquanto a terceira é uma tradição oral baseada na transmissão contínua por uma linhagem ininterrupta de mestres.
O sistema Ath’ri foi fundado no século XI pelo Dampa (Homem Sagrado) Meu Gongje Ritro Chenpo (1038-1096), que extraiu os ensinamentos originais do ciclo de ensinamentos Th’rogyu (tib. Khro rgyud) de Tonpa Shenrab.
Literalmente, Ath’ri significa “Guia do A”. A letra A representa o estado primordial não-condicionado, o estado natural da mente; ela é branca para representar a pureza inata da mente. O praticante se engaja na prática da meditação estabilizadorqa (tib. Shine / zhi nas), começando com a fixação na letra tibetana A para focalizar a concentarção, a fim de desenvolver insight e experiência no estado natural da mente. Isto corresponde à série Semde do ensinamento de Dzogchen da tradição budista Nyingmapa, conectada com a mente.
O nome Dzogchen dado à segunda corrente não se refere ao Dzogchen em seu significado geral, mas denota um tipo particular de ensinamento Dzogchen com sal própria linhagem específica. Este sistema corresponde à série Longde no Dzogchen Nyingmapa, conectada com a claridade e o espaço.
A terceira corrente é composta pelos ensinamentos de Dzogchen do Shangshung Nyangyu, a Transmissão Oral de Shangshung, a mais antiga e importante tradição e sistema de meditação Dzogchen no Bön. Esta série de ensinamentos foi sistematizada pelo mestre Gyerpung Nangsher Lopo de Shangshung, que os recebeu de seu mestre Tapihritsa no século VIII. Entretanto, estes ensinamentos não foram compostos por seu fundador humano, eles não são fabricados pelos pensamentos, mas são auto-originados. Eles têm desfrutado de uma transmissão contínua por uma “linhagem longa” através dos séculos e nunca teve de ser escondida e redescoberta como um terma, que tem uma tradição curta ou direta no tempo de sua revelação. Esta corrente de ensinamentos corresponde à série Upadesha no Dzogchen Nyingmapa, a série de instruções secretas.
Apesar de todas as três correntes de Dzogchen terem suas próprias práticas preliminares e linhagens de mestres de transmissão, a essência e o objetivo de todas as três é a mesma: a introdução ao estado natural do Dzogchen. Alguns mestres de linhagem mantêm todas as três transmissões. No Tibet, esta transmissão de mestre para discípulo, que por sua vez se torna o mestre que transmite o ensinamento ao seu próprio discípulo, é chamada “quente” porque a transmissão da experiência direta a protege e então ela se mantém viva, sem se tornar algo frio e meramente intelectual, derivada dos livros e do pensamento conceitual.
Por Lama Tenzin Wangyal Rinpoche

Lama Tenzin Wangyal Rinpoche é um mestre de meditação Dzogchen. Desde os treze anos, ele tem praticado com mestres das escolas Bön e budistas. Rinpoche compeltou um curso de onze anos de estudos tradicionais no Centro Monástico Bön em Dolanji, Índia, sendo qualificado com um doutorado (Geshe). Ele também é um erudito nas tradições Bönpo e budista de filosofia, exegese e debate. Após sua graduação em 1986, Rinpoche passou a trabalhar na Library Of Tibetan Works and Archives em Dharamsala, Índia. No mesmo ano, foi apontado por SS Dalai Lama como representante da Escola Bön na assembléia de deputados do governo tibetano no exílio.

Lama Tenzin Wangyal Rinpoche foi o primeiro a trazer ensinamentos do Dzogchen da tradição Bön ao Ocidente em 1988, quando foi convidado por Chogyal Namkhai Norbu Rinpoche a ensinar em seu centro na Itália. Ele é um dos poucos Lamas Bönpo que vive no Ocidente, onde tem viajado e ensinado pelos últimos dez anos. http://www.ligmincha.org









Nenhum comentário:

Postar um comentário