Falar de estar no aqui e agora, no momento
presente parece fácil quando tudo está bem, mas quando a pessoa está passando
por um profundo sofrimento, a situação é muito diferente. Dizer para alguém que
está sofrendo pela perda de alguém muito importante que ela pode mudar sua dor
através do poder de seu pensamento damos a impressão que seu sofrimento tem
menos valia.
Então será que a prática da Mindfulness
(Atenção Plena) pode ser aplicada em casos de sofrimento? A prática da consciência
plena trás a atenção para aquilo que é – seja dor ou felicidade, paz ou caos,
stress ou relaxamento, doença ou saúde – cada sintoma ou sentimento/emoção
surge de acordo com a sua realidade. A prática de Mindfulness é não uma receita
de felicidade, tão pouco um remédio que cura tudo, um milagre; a atenção plena
não tenta falar com você sobre nada, não há julgamento nem critica sobre o que você
sente.
Temos apego a pessoas, não desejamos perdê-las,
aceitar o luto como uma emoção natural, significa aceitar a separação é isto é
muito difícil. Tratar a dor da perda de
forma eficaz pode dar inicio aos insights.
A tristeza pode manifestar reações físicas,
emocionais, cognitivas e até comportamentais. Muitos estudos sobre o luto já demonstraram
que ele tem fases. Uma abordagem terapêutica para lidar com a dor do luto é a
prática da Mindfulness. Esta poderosa ferramenta tem sido utilizada em várias
psicoterapias modernas e diversas áreas da medicina. Através do trabalho do Psicoterapeuta com a consciência
plena da pessoa enlutada esta poderá reconhecer de forma mais efetiva a
realidade da perda e assim permitir que a dor da perda possa se manifestar sem
complicações. Se a dor da perda for experimentada sem reação indevida, o efeito
da dor será enfraquecido e a manifestação do luto poderá ser resolvida e
trazendo de volta uma vida saudável e livre dos sofrimentos causados pela dor.
Algumas culturas principalmente as orientais
tem um olhar diferente sobre a morte, o Budismo, por exemplo, já ensina aos
seus adeptos que tudo é impermanente, a importância de conhecer as fases do
Bardo (Intermédio) e a forma mais adequada de percorrer o Bardo, tornam mais
fácil a vivência das fases do luto, não que não aja sofrimento, mas existe um
outro olhar sobre a morte que ajuda na superação e aceitação. No Ocidente
existe um tabu cultural de falar sobre o tema, as pessoas evitam o assunto e
não se preparam para este momento. A experiência do luto acontecerá para todos,
porque todo mundo cedo ou tarde irá vivenciar a perda de alguém a quem se ama,
que é importante, com quem tiveram uma história, uma conexão. A experiência da
perda causa uma profunda dor, afinal o apego a quem amamos é natural, e chorar
ou lamentar a sua perda faz parte do processo de lidar com o luto.
Se esta dor não for tratada adequadamente ela
poderá se tornar até mesmo patológica. Por isso Mindfulness é tão importante no
tratamento do sofrimento, Uma prática diária, perseverante, correta permite que
a pessoa reconheça a verdade da experiência que está vivendo no momento
presente. E este reconhecimento direto e
verdadeiro ajuda a reconhecer a verdade do momento presente em que a pessoa
está inserida, mesmo que isto traga a princípio mais dor. Descortinar a verdade
trás alívio, transforma, transcende a dor levando a cura. E enxergar a verdade
e estar presente com ela é de fato compaixão.
Ou seja, estou aqui na minha dor, onde estou
não é o local perfeito para se estar. Pode não ser o melhor lugar, mas a vida é
o que é! Com todos os seus percalços e obstáculos. Esta experiência pede minha
atenção e consciência agora. Não há como mudar o que aconteceu. Devo aprender a
aceitar o presente como ele é. Porque o presente é o agora e eu devo estar
focada no agora. A compreensão é – estar consciente do que é real, agora. É uma
redenção às condições naturais, que se tornam presentes no corpo e na mente.
Se as fases do luto não forem bem tratadas
elas poderão resultar em uma disfunção crônica, confusão, depressão ou uma
infelicidade generalizada. Surgem muitas outras complicações com o tempo. A dor
pode trazer muitas reações, algumas pessoas não demonstram tristeza, culpa,
raiva, choque, ou sensações, outras pessoas apresentam sintomas físicos como angústia
ou dor no peito, nó na garganta, dor de estômago, ou distúrbios comportamentais
como insônia, agressividade, problemas de memórias, inquietação e muito mais.
Para quem vivencia a experiência da perda ou
luto de forma natural, ter um acompanhamento psicoterapêutico pode ajudar a
enfrentar a situação de forma mais saudável sem sequelas. Para as pessoas cujo
processo de luto é extremamente doloroso (muitas vezes o sofrimento é tão
extenso que poderá levar anos ou durar indefinidamente), para estes casos existe
a Terapia do Luto. Em alguns países, como a Inglaterra existe também o
terapeuta da morte, que ajuda não só a pessoa que está morrendo no processo da
morte como a família a lidar com a dor do luto; ou seja, ambas as técnicas
ajudam na aceitação da realidade da morte.
Budha afirmou (Nyanaponika, 1962) que somente
existe uma forma de se lidar com a dor – a Consciência Plena. O Psicoterapeuta
que trabalha com Mindfulness conhece os quatro fundamentos da atenção plena:
corporais, sentimentais, estados mentais e objetos mentais (Nyanaponika, 1962).
Através destes fundamentos, ele vai ajudar o paciente a perceber com clareza e
forcar atenção objetivamente no surgimento e no desaparecimento de todas as
sensações da mente e do corpo. Eventualmente durante a prática de Mindfulness
podem surgir insights sobre a natureza transitória e insubstancial, insights
sobre a natureza da realidade e seus processos de transformação.
Exercícios de Mindfulness para o corpo
permite que a pessoa enlutada torne-se consciente das posturas, sensações
somáticas e a respiração. Os exercícios para Mindfulness das
emoções/sentimentos incluem estar atento aos desconfortos ou prazeres
emocionais, ou aos estados neutros da mente, para os “estados de espírito”,
distração, raiva, culpa etc., buscando estar atento às qualidades dos
pensamentos e de como eles condicionam os processos mentais e físicos.
Mindfulness permite então que olhemos de forma íntegra para o que surge e como surge.
Perceber e reconhecer a realidade de qualquer situação que acontece no momento
presente, os benefícios são múltiplos.
Ninguém sente de forma igual experiências
semelhantes, por isto que cada um manifesta física e psicologicamente a dor da
perda, algumas pessoas resolvem internamente muito rápido dando sequencia à
vida diária, e isto não significa que não aceitou ou que está escondendo a dor.
Se ela tiver um nível de consciência para lidar com a tristeza, ela poderá
transformá-la em um ferramenta para alavancar uma maior compreensão sobre a morte
e o luto e ter insights sobre a verdade da impermanência da vida, sem nenhuma
conotação religiosa para isto – a morte poderia até ser uma iniciação a uma
nova fase. A forma com que cada pessoa lida com a intensidade da angústia
(física ou emocional), pode determinar a intensidade da dor que irá
experimentar, alguns podem até acionar emoções profundas e diferentes ao mesmo
tempo como sofrimento e amor simultaneamente.
É sempre incentivado que o cliente que está
passando por um processo terapêutico com Mindfulness, pratique diariamente os
exercícios e técnicas de meditação, de forma disciplinada, além do
acompanhamento normal do terapeuta,. Porém algumas pessoas são muito
introspectivas, solitárias e sensíveis ao sofrimento do luto, para elas
praticar sozinha pode acentuar o processo do luto e este se tornar esmagador,
manifestando complicações. Outras técnicas podem então servir de apoio como a
Terapia Focada na Compaixão e Meditação Metta Bhavana (Loving Kindness), onde a
autocompaixão, o discernimento e uma reflexão sobre o luto podem ajudar no
desenvolvimento da consciência plena.
Referências:
· Davidson, GC e Neale, JM, Abnormal Psychology, John Wiley and Sons
1982;
· Nyanaponika Thera, The Heart of Buddhist Meditation, Rider Na Company
1962
· Worden, WJ, Grief Couseling and Grief Therapy – Tavistock publications, 1983
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