quarta-feira, 8 de abril de 2015

Culpa e Vergonha

Na língua Pali, usada nas escrituras budistas, - HIRI – que dizer vergonha. Na Psicologia Budista diz-se que vergonha é uma habilidade. No Ocidente, costumamos dizer é um estado bastante doloroso e, portanto nada agradável. Então como pode a vergonha

ser considerada um estado hábil?
Mas a vergonha pode ser uma emoção espiritualmente muito importante, porque quando a usamos corretamente podemos obter felicidade e bem-estar, e desta forma ficamos mais equilibrados emocionalmente para irmos de encontro à realização dos nossos sonhos. Embora a vergonha seja dolorosa , ela pode ser boa para nós. Quando a vergonha surge? Normalmente  quando agimos em desencontro com os nossos valores, faltamos com a verdade, cometamos falhas humanas, magoamos alguém – quando a “ficha cai” tomamos consciência de agimos em desacordo com nosso comportamento usual, surge então uma dor profunda que atinge o fundo da nossa alma. E é exatamente esta dor que pode ser um antídoto poderoso, um remédio amargo que nos cura e nos realinha.

Quando estamos na correria do dia a dia, vivendo ativamente no cotidiano perdemos o contato com os nossos valores mais profundos. Em nossa verdadeira natureza, queremos sim, ser honestos, resolutos, bem resolvidos e benevolentes com os demais. Porém vivemos em um esquema de luta/fuga desde os primórdios dos tempos da humanidade, graças a uma parte do nosso cérebro chamado de cérebro reptiliano, que mantém um alerta, para defender prontamente o seu preciso ser. Mas é também esta parte do nosso cérebro que tem sempre uma desculpa, uma justificativa minimizando nossos atos, falhas e pensamentos.

Uma outra parte de nosso cérebro, uma parte que só os mamíferos tem, mas que no homem é mais desenvolvido – neocortex -, que nos torna verdadeiramente humanos porque reconhece os valores mais importantes como compaixão, bondade, cooperação, que nos torna animais racionais éticos. É justamente esta parte do cérebro que faz com sintamos vergonha, porque reconhece atitudes baseadas no medo, na má-vontade e em todos os comportamentos negativos que destroem a nossa felicidade e a dos outros.

Na Psicologia Budista, usamos a vergonha como um estado emocional saudável quando focamos no ato negativo que praticamos. Praticamos a Metta Bhavana para conosco mesmo, observando que o ato que praticamos não contribuiu para a nossa felicidade e nem a dos outros.

E o que é a culpa para a Psicologia Budista? A culpa é um sentimento voltado para nós e não para as nossas ações. E esta é a diferença entre culpa e vergonha. Na culpa que pode surgir depois de cometida a ação, pensamos que somos  um ser ruim. E o ato cometido é apenas uma justificativa para fundamentar o que pensamos a respeito de nós mesmos, a culpa é uma emoção de ódio por si mesmo.

No Ocidente, a culpa pode ser influenciada pela ideia do pecado original da religião cristã, pois segundo esta visão o pecado original é inerente à nossa própria natureza. Para o Budismo, no entanto, nossas tendências não são inerentes à nossa natureza que é em essência pura, porém obscurecida pelas nossas inabilidades. Esta forma de pensamento a respeito do ser humano nos trás um profundo alívio.
Somos como diamantes brutos, prontos para sermos lapidados, isto muito trabalho, árduo até! Porém não significa que nascemos maus e viveremos sob este estigma para o resto de nossas vidas, nada é fixo, nada é permanente, nem mesmo os conceitos que fazemos de nós mesmos.

Por isso que é maravilhoso sentirmos vergonha! Ela nos coloca frente a frente com nosso comportamento, tomamos consciência dele, podemos tomar uma atitude, podemos nos corrigir, podemos mudar. Não há nenhuma razão para sentirmos vergonha de termos vergonha! O sofrimento é apenas um alerta - faça o que tem que fazer, peça desculpa, perdoe, recomece, tente de novo, faça diferente, repare o erro! Aproveite que a vergonha permite que você se reconecte com a parte mais profunda do seu ser, aquela parte aonde vivem nossos valores verdadeiros!
Saleela Devi - Psicoterapeuta


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