Na língua
Pali, usada nas escrituras budistas, - HIRI – que dizer vergonha. Na Psicologia
Budista diz-se que vergonha é uma habilidade. No Ocidente, costumamos dizer é
um estado bastante doloroso e, portanto nada agradável. Então como pode a
vergonha
ser considerada um estado hábil?
Mas a
vergonha pode ser uma emoção espiritualmente muito importante, porque quando a
usamos corretamente podemos obter felicidade e bem-estar, e desta forma ficamos
mais equilibrados emocionalmente para irmos de encontro à realização dos nossos
sonhos. Embora a vergonha seja dolorosa , ela pode ser boa para nós. Quando a
vergonha surge? Normalmente quando
agimos em desencontro com os nossos valores, faltamos com a verdade, cometamos
falhas humanas, magoamos alguém – quando a “ficha cai” tomamos consciência de
agimos em desacordo com nosso comportamento usual, surge então uma dor profunda
que atinge o fundo da nossa alma. E é exatamente esta dor que pode ser um
antídoto poderoso, um remédio amargo que nos cura e nos realinha.
Quando
estamos na correria do dia a dia, vivendo ativamente no cotidiano perdemos o
contato com os nossos valores mais profundos. Em nossa verdadeira natureza,
queremos sim, ser honestos, resolutos, bem resolvidos e benevolentes com os
demais. Porém vivemos em um esquema de luta/fuga desde os primórdios dos tempos
da humanidade, graças a uma parte do nosso cérebro chamado de cérebro
reptiliano, que mantém um alerta, para defender prontamente o seu preciso ser. Mas
é também esta parte do nosso cérebro que tem sempre uma desculpa, uma
justificativa minimizando nossos atos, falhas e pensamentos.
Uma outra
parte de nosso cérebro, uma parte que só os mamíferos tem, mas que no homem é
mais desenvolvido – neocortex -, que nos torna verdadeiramente humanos porque
reconhece os valores mais importantes como compaixão, bondade, cooperação, que
nos torna animais racionais éticos. É justamente esta parte do cérebro que faz
com sintamos vergonha, porque reconhece atitudes baseadas no medo, na
má-vontade e em todos os comportamentos negativos que destroem a nossa
felicidade e a dos outros.
Na Psicologia
Budista, usamos a vergonha como um estado emocional saudável quando focamos no
ato negativo que praticamos. Praticamos a Metta Bhavana para conosco mesmo,
observando que o ato que praticamos não contribuiu para a nossa felicidade e
nem a dos outros.
E o que é a
culpa para a Psicologia Budista? A culpa é um sentimento voltado para nós e não
para as nossas ações. E esta é a diferença entre culpa e vergonha. Na culpa que
pode surgir depois de cometida a ação, pensamos que somos um ser ruim. E o ato cometido é apenas uma
justificativa para fundamentar o que pensamos a respeito de nós mesmos, a culpa
é uma emoção de ódio por si mesmo.
No Ocidente,
a culpa pode ser influenciada pela ideia do pecado original da religião cristã,
pois segundo esta visão o pecado original é inerente à nossa própria natureza. Para
o Budismo, no entanto, nossas tendências não são inerentes à nossa natureza que
é em essência pura, porém obscurecida pelas nossas inabilidades. Esta forma de
pensamento a respeito do ser humano nos trás um profundo alívio.
Somos como
diamantes brutos, prontos para sermos lapidados, isto muito trabalho, árduo
até! Porém não significa que nascemos maus e viveremos sob este estigma para o
resto de nossas vidas, nada é fixo, nada é permanente, nem mesmo os conceitos
que fazemos de nós mesmos.
Por isso que
é maravilhoso sentirmos vergonha! Ela nos coloca frente a frente com nosso
comportamento, tomamos consciência dele, podemos tomar uma atitude, podemos nos
corrigir, podemos mudar. Não há nenhuma razão para sentirmos vergonha de termos
vergonha! O sofrimento é apenas um alerta - faça o que tem que fazer, peça
desculpa, perdoe, recomece, tente de novo, faça diferente, repare o erro!
Aproveite que a vergonha permite que você se reconecte com a parte mais
profunda do seu ser, aquela parte aonde vivem nossos valores verdadeiros!
Saleela Devi
- Psicoterapeuta
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