MAITRI
Asanga, o douto filósofo de todo o coração decidido a realizar a
sabedoria interior, meditou em solidão durante muitos anos. O objeto de sua
meditação era Champa ( Budha Maitreya), o Budha do Futuro, que reside no céu
Tushita aguardando a sua descida à terra. Asanga sempre fora perseverante em
seus esforços, mas depois de tantos anos de fervorosa meditação, ele mesmo já
começava a sentir-se frustrado em seu empenho por alcançar a sabedoria a que
aspirava.
Certo dia, quando passeava pelo exterior de sua caverna, Asanga se
fixou nuns quantos pássaros que pousavam numa rocha proeminente que ficava
próxima. Justamente onde as asas dos pássaros, ao pousarem, roçavam a rocha,
Asanga notou uma profunda fenda. Isto o levou a refletir sobre os incontáveis
anos que deveriam ter sido necessários para que, pelo único efeito do roçar suave
das asas dos pássaros, se produzisse uma cavidade como aquela.
Ao voltar à sua caverna, Asanga, com os sentidos aguçados pela
meditação profunda, ouviu o brando gotejar de água sobre a pedra. Examinando –
o mais de perto, percebeu um pequenino regato que seguia rocha adentro: com os
anos, o delicado gotejar da água havia aberto uma profunda passagem na rocha.
“Se as asas dos pássaros e o gotejar da água podem perfurar a
rocha – pensou Asanga – então, também eu, com a meditação; posso perfurar as mais
distintas camadas da consciência, e alcançar, dessa maneira, a sabedoria.”
E assim, Asanga continuou meditando, mas meditando sem resultado
algum. Parecia-lhe que, quanto mais ardentemente buscava obter a sabedoria, e
quando mais apaixonadamente tratava de invocar a Champa, mais impossível isso
se tornava.
Um dia, Asanga deixou sua caverna para ir em busca de comida. No
caminho, encontrou um homem que esfregava uma barra de ferro maciço com um
pedacinho de algodão. Asanga perguntou-lhe o que estava pretendendo obter
aquilo, e ele respondeu que ia fazer uma agulha. Asanga se surpreendeu muito
por achar possível fazer uma agulha apenas esfregando uma grossa barra de ferro
com um pouquinho de algodão macio; mas, quando expressou isso ao homem, este
respondeu: “Se alguém está realmente resolvido a fazer uma coisa, não fracassará em
seu empenho, mesmo quando a tarefa possa parecer impossível.”
Asanga recobrou novas forças, ao considerar que a sua tarefa não
era mais difícil do que a daquele homem, e voltou à sua caverna animado a
continuar com a sua meditação.
Depois de haver estado meditando durante doze anos, Asanga
decidiu-lhe, finalmente, a abandonar seu retiro e deixar de meditar sobre
Champa, pois este não se lhe apresentara nunca, nem mesmo depois de tanto tempo
de esforços.
Ao deixar seu retiro, Asanga encontrou um cachorro ganindo de dor
por causa de uma ferida no dorso – um dorso infestado de vermes. Asanga sentiu
uma grande compaixão pelo cachorro e desejou aliviar-lhe os sofrimentos. Sabia,
porém, que se lhe tirasse os vermes, estes iriam morrer, pois não teriam onde
comer. Para salvar o cão, Asanga decidiu tirar-lhe os vermes, e, quando a
estes, iria colocá-los em sua própria carne, para que pudessem continuar
vivendo. Asanga já se dispunha a retirar os vermes com a mão, mas deteve-se e
pensou: “Se os tirar com os dedos, poderia esmagá-los”. De modo que, fechando
os olhos, inclinou-se para retirar os vermes lambendo a ferida. No mesmo
instante em que a sua língua tocava o cachorro, este desapareceu e, em seu
lugar submerso numa bolsa de deslumbrante luz, apareceu Champa, o Budha do
Futuro.
Tomado de emoção, Asanga assim falou a Champa:
- Durante tantos anos e de tantas formas, tentei vê-lo, sem que o
Senhor se mostrasse a mim, e agora, quando meu anseio desapareceu, por que se
mostra diante de mim?
Champa respondeu - lhe:
- Porque somente agora é que, através do seu grande ato de
compaixão, a sua mente está realmente pura e, portanto, apta para ver – me. Na
verdade, eu sempre estive aqui.
Então, Champa ordenou a Asanga que o levasse sobre seus ombros até
a cidade para que as outras pessoas pudessem vê-lo. Assim o fez Asanga, mas o
povo, com a consciência obscurecida por pensamentos impuros, não pôde ver a
Champa, e acreditou que Asanga estivesse louco quando proclamava que levava
Champa sobre seus ombros. Mas uma anciã conseguiu ver um cachorrinho sobre as
costas de Asanga, e foi imediatamente acumulada de riquezas. E um pobre
carroceiro de mulas chegou a entrever os dedos do pé de Champa e, desde aquele
momento, teve poder e paz interior.
Champa levou, então, a Asanga ao céu Tushita, onde pôde receber o
ensinamento e, obter a sabedoria que, durante tantos anos, o havia evitado.
REFERENCIA:
- Contos Populares do Tibet – Trad. de Lenis E. Gemignani de
Almeida – Ed. Princípio
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