Budismo Humanista
Não há melhor
fonte de sabedoria do que o Buda, e não existe melhor exemplo de como viver do
que a vida dele. O Buda Shakyamuni passou 45 anos ensinando o Darma – não se
escondeu do mundo nem guardou o conhecimento para si; viveu neste mundo e nele
ensinou. Foi incansável em seus esforços para ajudar os outros. Uma das mais
importantes práticas budistas é contemplar a vida do Buda e a compaixão que o
inspirou a doar tanto de si.
O Budismo Humanista é
baseado no exemplo de vida do Buda, assim como no conteúdo de seus
ensinamentos. Praticamos o Budismo Humanista e nossos templos o ensinam,
incentivando sua prática, porque ele é um caminho para seguir o exemplo
compassivo do Buda.
Uma
Perspectiva Budista para a Vida
Alguns dos conceitos
fundamentais do budismo, como vazio [shunyata], impermanência [anitya]
e altruísmo, podem provocar reações negativas se forem erroneamente
interpretados como algum tipo de niilismo ou um convite para se afastar do
mundo. O Budismo Humanista, porém, afirma que nada poderia estar mais longe da
verdade. O Buda não passou 45 anos ensinando o Darma para que seus seguidores
se afastassem do mundo e da vida. Quando ideias como vazio e impermanência são
adequadamente compreendidas, elas servem como ferramentas para uma compreensão
ainda maior e são auxiliares na compaixão.
O Budismo Humanista não é
um novo tipo de budismo, mas apenas um nome utilizado para ressaltar as lições
essenciais do Buda: a sabedoria e a compaixão. Esses ensinamentos remetem-nos,
invariavelmente, à vida dos outros seres sencientes. Não compreender a unidade
entre natureza humana e natureza búdica é não compreender os ensinamentos do
Buda.
O Budismo Humanista
incentiva-nos a participar do mundo e a ser uma fonte de energia benéfica aos
outros. Nossa iluminação depende dos outros assim como a deles dependem de nós.
Mestre Taixu disse que existe uma única forma de nos tornarmos Budas: realizar
nossa natureza humana. O grande mestre chan Huineng disse: “O
budismo deve ser praticado neste mundo, e não em algum outro. Procurar a
iluminação em outro lugar é tão fútil quanto procurar um coelho com chifres”.
Quando o Buda alcançou a
iluminação sob a Árvore Bodhi, ele disse: “Todos os seres sencientes
têm natureza búdica”. A unidade e a unicidade de todas as formas de vida nos
inspiram a nos envolver com a vida. Todos devem reconhecer que são necessários.
Servindo ao próximo, servimos a nós mesmos. Reconhecendo o Buda nos outros,
aprendemos a encontrá-lo em nós.
As Seis Paramitas
Muito poderíamos dizer
sobre o Budismo Humanista, mas provavelmente é melhor ater a discussão às
principais virtudes do caminho do bodisatva – as Seis Paramitas.
Elas são o guia perfeito para o Budismo Humanista, assim como para a prática de
qualquer escola budista, pois nos ensinam como exercer a nossa condição humana
por meio da descoberta do Buda interior.
Descobrir a verdade pelo
equilíbrio entre pensamento e ação, sabedoria e compaixão, consciência da
realidade transcendente e das verdades relativas do universo dos fenômenos –
eis o que nos ensinam as Seis Paramitas, que são:
1. generosidade (dana);
2. moralidade (shila);
3. paciência (kshanti);
4. diligência (virya);
5. concentração (samadhi);
6. sabedoria (prajña).
Paramita é palavra
sânscrita que significa literalmente “atravessar para a outra margem”. Seu
significado profundo é completude, realização, transcendência, chegada à
verdade, perfeição. Às vezes, são chamadas de “as seis perfeições”. Elas são as
virtudes profundas que levam à iluminação; a unidade entre sabedoria e
compaixão como é esta unidade manifestada e concretizada neste mundo. Elas
fundem a consciência e o comportamento, unem o estar cônscio e a virtude,
constituem o caminho do meio entre o nirvana e o mundo dos fenômenos. São o fio
da navalha entre este mundo e tudo o que o transcende. A seguir, cada uma das paramitas são
expostas.
Generosidade
Generosidade é um
conceito profundo no budismo. Uma vez que toda vida senciente é
inter-relacionada e que não podemos nos iluminar sem conhecer esse fato, a
conclusão é uma só: precisamos estabelecer boas relações com os outros por meio
da generosidade, ou seja, dando algo de nós aos demais.
Existem muitos tipos de
generosidade. Ela pode envolver objetos materiais, cuidados afetivos ou
compartilhamento intelectual. Ensinar alguém a fazer alguma coisa é um ato de
generosidade, tanto quanto evitar que alguém pratique um ato prejudicial. O
Buda disse que a generosidade ajuda os outros a perderem o medo. A mais elevada
forma de generosidade é compartilhar o Darma, pois somente ele mostra como
ajudar a si próprio.
Todos os puros atos de
generosidade são atos de sabedoria. É neles que reside a perfeita compreensão
de que “eu” e “ outros” são elementos interdependentes e que um não pode
evoluir sem o outro. A generosidade combate o isolamento; nos ensina a
encontrar os níveis profundos da mente, nos quais estamos interconectados com
tudo o que há no universo. Além disso, a generosidade ensina a desenvolver o
desapego e a utilizar nosso tempo e nossa energia em favor do bem-estar dos
demais.
Moralidade
A prática do Budismo
Humanista implica manter sempre vivo em nossa mente o exemplo moral da vida do
Buda. Nossa vida deve se tornar um exemplo moral digno de ser seguido pelos
outros.
Um bodisatva deve liderar
pelo exemplo. Se ele observar os preceitos do budismo, inspirará confiança, e
os outros desejarão ouvi-lo. Seu comportamento lhes mostrará que ele compreende
que a sabedoria deve ser vivida e experimentada antes que possa ser consumada.
O que se ilumina não é uma ideia, mas um ser humano, a pessoa que tenha
aprendido a viver as verdades da mansidão, da compaixão, da equanimidade e da
generosidade. O Buda foi um ser humano que empreendeu o trabalho necessário
para se tornar um Buda. A moralidade foi o meio que ele utilizou para isso.
Paciência
A paciência já foi
extensamente examinada. Complementaremos apenas dizendo que ela é uma cura
importante da raiva. Sempre que sentirmos raiva, devemos esperar: se esperarmos
o suficiente, ela se desvanecerá. Se encontrarmos um exemplo de que isso foi
verdade em nosso passado, concluiremos que continua sendo verdade agora.
Na próxima vez que sentir
a raiva tomando vulto em sua mente, espere. Ela vai passar. A raiva é uma forma
de ilusão. A paciência é uma forma da verdade.
Diligência
Este tema também já foi
discutido anteriormente. Ele é importante no caminho do bodisatva por que a
virtude da diligência nos faz perseverar e agir com base no que sabemos ser
correto.
Voltada para dentro, a
diligência é como uma forma ativa de introspecção; voltada para fora, é prova
do nosso compromisso com o bem. Se houver esforço, melhorarmos é uma
consequência natural. Se aprendermos de fato, nossas lições serão sempre novas,
pois não precisaremos repetir o que já foi aprendido.
A diligência ajuda a
concentrar as energias, por que evita que nos sintamos satisfeitos com pequenos
ganhos e conquistas já feitas.
Concentração
Em sânscrito, a palavra
para concentração é samádi. A paramita da concentração pode
ser também chamada “paramitado samádi” ou “da meditação”.
A meditação é um estado
de concentração profunda. Os estados de samádi são geralmente aprendidos
durante a meditação sentada, mas não se deve pensar que estejam acessíveis
apenas à pessoa sentada com as pernas cruzadas na posição de lótus. Conforme
progredirmos no budismo, aprendemos a alcançar estados de samádi em outras
situações – sentados, caminhando, trabalhando ou fazendo qualquer coisa em que
se possa estar atento.
Esses estados são muito
importantes, por que é através deles que ganhamos acesso a níveis superiores de
consciência e sabedoria. A concentração leva à pureza porque ela é focalizada,
unificada e está além das distrações.
Sabedoria
A sabedoria é a principal
virtude budista, pois só ela nos diz como e quando agir. Sem sabedoria,
corremos o risco de utilizar mal as outras cinco paramitas:
distorcer a generosidade para fins escusos, tornar rígida e cruel a moralidade,
confundir paciência com acomodação, usar a diligência para aprender habilidades
prejudiciais como se fossem benéficas.
Só a sabedoria tem o
poder de discernir entre o bem e o mal. Só ela nos pode levar a fazer o que é
certo no momento certo. A sabedoria profunda compreende que as outras cinco paramitas são
apenas aspectos dela mesma. A sabedoria que não é utilizada no serviço ao
próximo nunca será profunda, não passando então de mera ideia de sabedoria.
Significados
Profundos
As Seis Paramitas são
as guias no caminho do bodisatva e definem o Budismo Humanista. O budismo é uma
religião para as pessoas. O cerne do budismo é a mente humana. Todos os Budas
foram seres humanos antes de se tornarem Budas. Assim, ensinamos o Budismo
Humanista por acreditar que ele é a melhor forma de ministrar e compreender o
budismo.
A riqueza do budismo
reside no fato de ele se fundamentar na verdade e na capacidade de refleti-la
por vários ângulos. O Buda disse que existem oitenta e quatro mil tipos de
ilusão e que a verdade pode ser vislumbrada a partir de cada um deles.
As exposições deste livro
apresentam as mais básicas verdades ensinadas pelo Buda Shakyamuni – verdades
que não têm sentido se alienadas da vida, pois dizem respeito unicamente à vida
e, portanto, são inúteis se não forem praticadas e vividas.
Por ser tão prático e
útil, o budismo é às vezes considerado uma filosofia. Por outro lado, há quem o
tome como a mais mística das religiões, porque suas verdades precisam ser
experimentadas. Seja ele classificado como filosofia, seja como religião, o que
importa é que as verdades ensinadas pelo Buda devem ser aplicadas à vida.
Se o Darma for praticado
e cuidadosamente contemplado, ele guiará você ao seu despertar.
Capítulo 15
do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing
Yün,
Escrituras
Editora, 2ª edição revisada e ampliada, São Paulo, dezembro de 2011.
Templo Zu Lai